Livre

A luz do sol invadia o apartamento, machucando meus olhos.

Eu comecei a me perguntar quanto tempo havia se passado. Quando tudo acaba, quando todos te abandonam, fica um vazio enorme dentro de você. Às vezes, esse vazio toma conta.

Tomou conta de mim.

         Primeiro, eu não tinha mais forças pra lutar pelos meus objetivos. Depois, eu não tinha objetivos. Fui perdendo a capacidade de sentir. Perdendo todas as vontades. Às vezes, um ou outro fio de esperança surgia e eu me agarrava a eles com todas as forças.

Um fio frágil sempre acaba se partindo se você fizer muita força… Ninguém me disse isso.

Pensando agora, eu poderia ter evitado isso se não dependesse tanto de quem me usa como um brinquedo pra matar o tédio. Evitado não, adiado. Nesse chão imundo, o cheiro de suor está impregnado em mim. Eu tento me mexer e o corpo dói, parece que a minha cabeça vai explodir.

Decepção atrás de decepção, abandono atrás de abandono. Eu não agüentava mais. Quis jogar tudo pela janela e depois me jogar. Quis escrever uma carta de suicídio com o nome de todos os que me trouxeram a esse ponto. Todo mundo que me abandonou. Mas seria uma lista longa de mais.

Eu poderia dizer ‘Hey, obrigado por me matarem. Eu estou livre agora. Você não pode ser mais livre que isso’. Eu poderia dizer isso e dar um soco na cara de cada um. Eu poderia dizer isso e jogar uma pedra em suas janelas. Poderia dizer isso e dar um tiro nos seus joelhos. Poderia dizer isso e queimar seus carros.

Respiro fundo. A cabeça em chamas. E eu volto a delirar.

Um velho toca uma flauta e eu observo uma cobra dançar, hipnotizada. Ela sai do chão de madeira do meu apartamento. Depois outra e outra. Elas não param de aparecer. As cobras tem rostos humanos. Os rostos que eu conheço bem. Os rostos que eu penso todo dia.

- Como você faz isso? Pode me ensinar?

Ele diz que eu não preciso aprender nada. As cobras vão se transformando em poeira e a poeira é levada pelo vento. O velho sorri. Faltam alguns dentes.

Já vai acabar. Ninguém vai ser mais livre que você.

Quem quer a liberdade?

Quando eu saí de casa, eu estava decidido a me jogar na frente de um ônibus. Ou provocar algum bandido e levar um tiro. Só consegui comprar uns comprimidos. Vários deles. Voltei pro meu apartamento sujo e minúsculo. Engoli todos e deitei no chão.

Parecia que o meu cérebro iria derreter. Durante não sei quanto tempo eu fiquei ali, delirando e delirando. Viajando na parte mais assustadora da minha mente. Depois na mais bonita, depois na mais triste… As viagens iam e voltavam. O sol estava lá e não estava.

Eu não sei se eu não consigo me mexer ou se eu não quero.

Batidas na porta. Alguém grita meu nome e eu penso que é tarde demais. Tento sorrir, minha boca está tão seca que não consigo. Batidas mais fortes, mais gritos. Merda, eu não quero ser salvo. Eu já quis, mas agora é tarde demais.

Bum...

A porta abre violentamente, eu estou olhando pra janela. O sol machuca meus olhos. Mas tudo vai ficando dormente e os olhos vão fechando. Tudo ficando escuro.

“Você está bem?”

Claro que sim.

“Chamem um médico”

Não chamem ninguém! Não… tanto faz... não vai adiantar mesmo.


Eu estou ouvindo desculpas ou estou tendo alucinações de novo? Não importa. É tarde demais. Os olhos apagam, o corpo desliga. Ninguém nunca vai ser tão livre quanto eu sou agora.

Fil

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